Angst - Medo: As Idealizações sobre a Psicopatia

O texto abaixo é um trecho do artigo contido no livro "ALÉM DA SINOPSE", escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.



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AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.
O filme medo é uma obra de terror, não no sentido vulgar em que o gênero se estabeleceu e que remete a monstros e outros elementos fantásticos, mas no sentido literal do termo. Medo não é o estado emocional mais adequado para refletir o assombro que arrebata o espectador, fruto de uma direção espetacular e bastante crua capaz de provocar profunda imersão ao clima de bestialidade das ações humanas.
A história acompanha os momentos que antecedem a soltura de um psicopata e os atos subsequentes de violência que comete. A retomada de atos criminosos por parte de um indivíduo que não pôde ser adequadamente transformado em seu processo de “ressocialização”, nome enganosamente dado ao encarceramento ao qual foi submetido, pode parecer previsível e desencorajar a assistir ao filme. Porém, fica claro que a intenção não era surpreender por uma trama complexa, mas apresentar de maneira extremamente realista a complexidade de uma mente deturpada durante atos ignominiosos, que afastam as pessoas “normais” de suas dinâmicas e motivações e dificultam sua compreensão.
Quando não há disposição para entender “por que ele fez isso?” ou “como alguém é capaz daquilo?”, abre-se espaço para toda sorte de conceituações. Temos visto em alguns especialistas, que alimentam o ideário comum e formam opiniões, a necessidade de definir como raízes da maldade que acomete o psicopata um caráter quase exclusivamente biológico: nasceram maus ou predispostos ao mau. Outros tantos preferem explicar a “falha moral” em desvios no processo de gestação ou acontecidos nos anos iniciais da vida do sujeito, como lesões cerebrais resultantes da anóxia, por exemplo.
Algumas máximas sobre a psicopatia são, por outro lado, alimentadas pela análise dos comportamentos demonstrados. Incapacidade de empatia, frieza pela ausência de emoções, dificuldades na compreensão e adequação às normas morais, inteligência acima da média e caráter manipulador constituem alguns exemplos. Tantas e tão diversas definições atendem ao desejo de aplacar o medo decorrente da aceitação de que pouco ou quase nada se sabe sobre a psicopatia. O problema consiste no fato de que tomar como certa uma explicação no mínimo duvidosa para tão vis impulsos não somente não protege de seus efeitos como acomoda à busca pelas raízes reais.
A ideia de que possuem inteligência acima da média pode ter sido originada no fato de que muitos criminosos seriais enganaram por anos as autoridades até sua captura, quando não constituíram casos insolúveis para os investigadores. Mas, daí a dizer que todo psicopata é inteligente, é reduzir muito o espectro de observação. Psicopatas menos favorecidos intelectualmente podem não ter tido a oportunidade de cometer senão um ataque antes de serem presos e, por isso, sequer chegaram a ser identificados como possuidores de tal distúrbio.
A frieza pela ausência de emoções é uma inconsistência. As emoções são responsáveis por motivar à ação e sua ausência significaria a imobilidade. Quem mata tem raiva, quer demonstrar poder, busca a adrenalina da contravenção, enfim, sente algo. É compreensível que os atos sejam brutais ao ponto de se considerar a ausência de remorso, mas assumir que nenhuma emoção é possível no psicopata é um passo no escuro.
A incapacidade de empatia também é um exagero que pode ser contestado pelo fato de que matam uns e não outros: suas vítimas tendem a repetir determinados perfis. Muitos psicopatas são casados e vivem uma vida ordeira por detrás de sua faceta “demoníaca”. Inclusive, existem casos de indivíduos que param de matar quando se estabelecem socialmente e se afastam dos gatilhos que os despertam o impulso violento – vinculados, com frequência, aos pais e cuidadores. Como apresentam, em sua maioria senão na totalidade, histórico de abusos severos, tanto físicos quanto morais, e rejeição ativa por parte das instituições família e ou escola, entre outras, não encontram, muitas vezes, oportunidades para o desenvolvimento da empatia de que seriam capazes em outros cenários.
Com relação às dificuldades de assimilar normas morais, não precisa ser psicopata para violar regras ou leis. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, optamos por nos beneficiar em vez de aceitarmos as limitações que as normas impõem. Se aderimos, é por valorizarmos o grupo social a que pertencemos ou por temermos as punições. Um indivíduo rejeitado pela sociedade não encontra motivos para limitar suas vontades em nome do grupo. Não significa que não compreenda as leis, por exemplo. Tanto o faz que evita ser preso por seus crimes; quando se deixa ser capturado o faz, frequentemente, para ter um reconhecimento que sempre lhe foi negado como ser humano.