Spotlight - Segredos Revelados: A Anti-naturalidade do Celibato e suas Consequências

O texto abaixo é um trecho do artigo contido no livro "ALÉM DA SINOPSE", escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.



Para ler o texto completo, além de outros artigos como este, adquira o livro "ALÉM DA SINOPSE - A Arte imita a Vida", disponível no site Clube de Autores



AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.
Spotlight é um filme baseado em fatos reais que apresenta o trabalho realizado por uma equipe de jornalismo sobre possíveis casos de pedofilia envolvendo Padres da Igreja Católica. Com o desenrolar das investigações, um número elevado de denúncias foi confirmado em todo o mundo, incluindo ocorrências em quatro cidades do Brasil.
A polêmica envolvendo pedofilia atribuída a Padres, apesar de não ser novidade, ainda gera muito assombro. Por isso, entendemos importante abordar o assunto. O Catolicismo, diferentemente de muitas outras religiões, impõe o celibato como uma das condições necessárias para a carreira dos Padres e Superiores. Argumentos de todas as naturezas são utilizados para justificar a restrição: os impulsos sexuais podem levar facilmente ao pecado e o religioso deve se manter afastado de tão poderosas tentações; ou, para poder dedicar tempo a Deus e aos fiéis, não deve se comprometer com aspectos pessoais que possam desviar sua atenção, tais como a constituição da própria família, e, por ser o sexo visto como bom somente se realizado com fins de procriação, precisa se abster dos atos sexuais, entre outros.
Por mais que muitas tradições tenham se esforçado em negar a influência dos impulsos sexuais e dotar o homem de uma dignidade moral fantasiosa, os instintos de reprodução que motivam ao ato sexual são naturais aos seres humanos. As razões de tal negação são inúmeras e não convém discutir aqui, mas vale destacar que tal conduta tende a afastar o ser humano da conscientização de sua realidade sexual e dificulta a compreensão dos mecanismos que o impelem a agir em nome de seus apetites.
A restrição absoluta dos impulsos sexuais gera grandes problemas. Sendo naturais ao ser humano, exercem constante pressão para que sejam atendidos. Porém, como seu caráter motiva a ações que se chocam frequentemente com as diretrizes morais predominantes em cada época, haja visto que os moralistas têm ocupado boa parte de sua atenção ao sexo desde os tempos mais remotos, a conduta mais disseminada, mesmo que já tenhamos saído há milênios das cavernas, tem sido a repressão de tais impulsos e a negação de sua existência. Um dos impactos visíveis dessa realidade é o fato de que pais ainda se constrangem ao tocar no assunto de sexo com seus filhos – quando o fazem. Não estamos dizendo que qualquer conduta sexual é boa para o indivíduo, apenas que a sociedade se ocupa demais de assuntos tão particulares.
Mas, reprimir e negar não eliminam o instinto, apenas aumentam a pressão que exerce sobre o indivíduo. Outros impulsos e ações passam a ser deturpados pela “energia” instintiva não realizada, o que pode levar a patologias psíquicas profundas. Alguns indivíduos encontram caminhos mais “saudáveis” para sublimar essa pressão, ou seja, transformam-na em motor para a realização de outras atividades, como a expressão artística ou a adoração divina, entre outras. Porém, geralmente, a sublimação não alivia senão parte da carga que os instintos são capazes de promover. A estimulação a que se é exposto diariamente contribui bastante para a insatisfação sexual, ainda mais em uma época em que há a predominância da imagem, na qual o corpo é objetivado como produto e tem seus atributos sexuais mais visíveis exibidos em todas as mídias sociais possíveis.
Quando anos de celibato acumulam tensões inimagináveis, o impulso sexual deixa de ter um caráter saudável e tende a ser direcionado para quaisquer elementos que sejam capazes de extravasá-lo. Provavelmente, boa parte dos Padres envolvidos no escândalo não é realmente pedófila – no sentido de que encontram apenas em crianças suas possibilidades de satisfação sexual e por elas têm predileção –, mas, submetida à privação extrema, tenha encontrado em alvos mais frágeis como as crianças os caminhos para atender suas urgências sexuais e correr riscos reduzidos de ter seus “pecados” descobertos.