Quando pensamentos e rituais nos fazem reféns – Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)

“Fechei a janela? Sim, fechei com certeza.
1, 2, 3, 4, 5 quadros.
Mas e se não fechei? Como posso não ter fechado? Acabei de fazê-lo.
Número ímpar de quadros não dá, preciso contar duas vezes.
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.
Mas... e se não fechei? Meu filho poderia cair lá embaixo.
Melhor contar novamente: 1, 2, 3, 4, 5...
Mas quadro pequeno conta meio? 1, 2, 2 e meio, 3 e meio...
Mas eu fechei. Não, não fechei. Talvez eu tenha aberto e não tenha percebido. Ou então talvez eu não a tenha trancado adequadamente.
Como faço para dar número par? Vou pular o quadro pequeno. 1, 2, 3, 4.
Ai meu Deus, é melhor checar a janela novamente. Ah sim, está fechada.
Ufa, até suei minhas mãos. Suor é sujo, é melhor lavá-las.
E embaixo das unhas? Vou usar essa escova. Mas a escova está limpa? Melhor usar desinfetante, sabonete não está limpando bem.
Ai que droga: está saindo sangue. Sangue pode ser sujo também.
Vou lavar até parar de sangrar.
Mas fechei mesmo a janela?”

O texto acima representa o sofrimento de alguém que luta contra o aprisionamento psíquico gerado pelo Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) que, segundo o NIMH – National Institute of Mental Health, atinge de 2 a 3% da população geral.

Definição

Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID – 10, o TOC é caracterizado por pensamentos obsessivos e/ou atos compulsivos recorrentes.

Pensamentos obsessivos são ideias, imagens ou impulsos que invadem a mente do indivíduo repetidamente e seguindo um mesmo padrão. O indivíduo tenta resistir a eles, mas raras vezes obtém êxito. Tais pensamentos ou atos são grande fonte de angústia por serem, muitas vezes, violentos, obscenos ou sem sentido. Em alguns casos, por exemplo, o obsessivo compulsivo sente que certas frases se repetem em seus pensamentos enquanto conversa com alguém, e isso gera sofrimento, pois, além de ter a atenção constantemente dividida, muitas dessas frases representam coisas que o indivíduo não deveria e ou não aceitaria dizer ou pensar. Por exemplo, enquanto conversa com o chefe, seu pensamento pode ser invadido por frases como “detesto você, detesto você, detesto você”, o que resultará na luta contra o ímpeto de dizer essa frase. Ou, em outro exemplo, enquanto lava louças, o indivíduo se depara, durante toda a tarefa, com inúmeras repetições de diálogos de um determinado filme em sua mente, tirando-lhe a atenção do momento presente.

Atos ou rituais compulsivos são comportamentos que se repetem seguindo um mesmo padrão. Muitos deles não são agradáveis e tampouco resultam em ações concretamente úteis. O sujeito normalmente os realiza como forma de prevenir algum evento temido, mesmo que quase nunca tais atos ou rituais estejam diretamente relacionados com o evento que quer evitar. Por exemplo, quando o sujeito vai sair de casa, pode sentir grande ansiedade como consequência de um medo súbito de morrer. Para evitar que morra, pode se ver induzido, por exemplo, a fechar todas as janelas, arrumar as almofadas do sofá, conferir se as torneiras estão fechadas, dar a volta pela mesa da sala e etc.. Somente após concluir tais etapas consegue abrir a porta e sair.  Ações como essas tenderão a ocorrer todas as vezes que repetir a ação de sair de casa, mesmo que tais rituais não tenham nenhuma relação concreta com a prevenção de sua morte.

A realização dos atos ou rituais compulsivos resulta na diminuição imediata da ansiedade gerada, mesmo que conscientemente o indivíduo reconheça que são ações inúteis em sua maioria, e sem nenhum poder preventivo. Caso não as realize, sentirá que está contribuindo para que o fato temido ocorra – no exemplo acima, a morte. Assim, a ansiedade cresce conforme essas “chantagens” acontecem e, caso o indivíduo não possa “neutralizar” essas ameaças, ficará mais ansioso e provavelmente criará outra forma de “neutralizar” essa nova ansiedade. Por isso é, para o obsessivo compulsivo, tão difícil a não realização desses rituais. Algumas pessoas podem chegar a passar horas e horas imersas nesses rituais. São comuns em estágios mais avançados desse transtorno banhos com longas horas de duração, lavagens excessivas que resultam em ferimentos à pele, ações repetitivas que se prolongam por dias e impedem o indivíduo de realizar qualquer outra ação, e quaisquer outros ciclos intermináveis de rituais.

Sintomas


Os sintomas mais comuns do Transtorno Obsessivo Compulsivo são:

·         Limpeza/ lavagem: lavar as mãos várias vezes por dia mesmo estando limpas; varrer a casa repetidas vezes sem que haja sujeira no chão; tomar banho várias vezes por dia sem que haja necessidade de se lavar;

·         Verificação: checar inúmeras vezes se portas, janelas, torneiras e válvulas de gás estão fechados mesmo quando não foram abertos após a última checagem;

·         Repetições: repetir mentalmente ou verbalmente palavras, parágrafos, frases ou orações, mesmo em momentos que requerem atenção e concentração em determinadas tarefas; entrar e sair repetidamente de determinado local seguindo um padrão estabelecido, por exemplo, sem pisar no friso do piso ou pisar primeiro sempre com o mesmo;

·         Contagem: contar repetidamente os quadros da sala mesmo não tendo havido nenhuma alteração na decoração desde a última contagem; contar inúmeras vezes os objetos de determinado local;

·         Ordenação/simetria/sequência: alinhar inúmeras vezes objetos para que fiquem numa posição considerada correta ou aceitável para o indivíduo, por exemplo, alinhando os livros um em cima do outro sem que as bordas apareçam; alinhar objetos que não pertencem à própria pessoa, por exemplo, alinhar os quadros na parede de um consultório médico ou de algum estabelecimento comercial sem que ninguém tenha solicitado;

·         Acumulação/colecionamento: colecionar objetos sem perspectiva concreta de uso como caixas de leite vazias que um dia poderão servir para algum uso; acumular revistas e jornais antigos que supostamente poderão ser úteis no futuro, como, por exemplo, para forrar o chão para dormir caso a cama quebre.

Um estudo realizado pela Universidade de Denver – Estados Unidos (Revista Mente e Cérebro – Agosto de 2014) associou o TOC especificamente a alterações na função executiva do cérebro, que compreende os processos cognitivos desde o planejamento à execução de tarefas, entre eles: memória de trabalho, atenção sustentada, inibição de impulsos e recuperação de conhecimentos relevantes da memória de longo prazo.

A análise dos dados obtidos mostrou que pessoas com TOC apresentavam, com mais frequência, características como:

·         Inibição;
·         Rigidez de pensamento;
·         Impulsividade; e
·         Dificuldades nas memórias de trabalho verbal e visuoespacial.

Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) x Transtorno de Personalidade Obsessiva Compulsiva (TPOC)

É importante diferenciar o Transtorno Obsessivo Compulsivo do Transtorno de Personalidade Obsessiva Compulsiva (TPOC), uma vez que a confusão entre eles é muito comum.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV TR, o Transtorno de Personalidade Obsessiva Compulsiva (TPOC) é caracterizado por grande preocupação com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal. Há a tentativa de manter sempre o controle através de atenção extenuante a regras, detalhes triviais, procedimentos, listas, horários, formalidades, muitas vezes com o prejuízo das atividades que se quer realizar. Os indivíduos que possuem esse transtorno são excessivamente cuidadosos e propensos à repetição, dando imensa atenção a detalhes e à verificação repetida em busca de possíveis erros nas tarefas que os permeiam.

O ponto principal na diferenciação entre esses dois transtornos é que no Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) existem as obsessões, as compulsões e as tentativas de neutralizar possíveis ameaças através das práticas de rituais, e no Transtorno de Personalidade Obsessiva Compulsiva (TPOC) essas questões não estão presentes, caracterizando-se por grande preocupação com organização e perfeccionismo.

Tratamento

A psicoterapia é de fundamental importância, pois auxilia o sujeito no entendimento desse transtorno, para que possa lidar melhor com ele e, consequentemente, aliviar o sofrimento gerado e os prejuízos que acarreta. Além disso, ajuda a esclarecer a função que o transtorno desempenha em sua vida e busca resgatar sua origem, quando e como se instalou.

Em muitos casos, é necessária intervenção medicamentosa para que o indivíduo possa ter algum alívio nos sintomas. A prescrição de medicamentos caberá ao psiquiatra.

(artigo escrito por Fernanda Abatepaulo Linhares Guimarães)