Alexander - Alexandre: A Mediocrização do Herói

O texto abaixo é um trecho do artigo contido no livro "ALÉM DA SINOPSE", escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.



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AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.

Neste filme, Oliver Stone, retrata de maneira majestosa os feitos de um dos personagens históricos mais notáveis: Alexandre, o Grande, que, no quarto século antes de cristo, havia conquistado 90% do mundo conhecido e nunca perdeu uma batalha. O diretor, porém, não se limitou a reproduzir suas conquistas, mas destacou de maneira enfática supostas fragilidades pessoais do herói, como a relação com a mãe e os inúmeros e instáveis casos amorosos.

Para os mais comuns dos mortais é difícil compreender os fatores que elevam alguns indivíduos ao posto de gênios, santos ou heróis. Como o que realizam se estende para além do conceito de normalidade em dado momento e excede o que a imaginação vulgar é capaz de conceber, muitas pessoas tendem a procurar as raízes de tamanha distinção nos aspectos mais particulares da vida de cada um deles. Infelizmente, porém, tal curiosidade tem, frequentemente, mais a ver com a vontade de encontrar “falhas” que possam macular a imagem grandiosa de tais referências do que o impulso de descobrir o caminho que poderia alçar aos mais sublimes ares.

A genialidade, por exemplo, é facilmente explicada por muitos como resultado da loucura daquele que concebe o incompreensível. O heroísmo dos mais bravos guerreiros é frequentemente associado à vaidade, descontrole emocional ou à irresponsabilidade. E a santidade dos seres que negaram a “vida mundana” e se tornaram referências morais é tida, muitas vezes, como fruto de escassas capacidades de socialização que impelem ao isolamento e da autodesvalorização que justifica a abdicação.


O indivíduo que realiza feitos inéditos e ou incompreensíveis nos coloca diante do novo e nos força a lidar com o medo do desconhecido, daquilo que não somos capazes de antecipar. Mesmo que não tenhamos contato direto com ele ou com sua obra, o simples fato de existir nos perturba a paz. Aceitar o novo também significa ser obrigado a alterar nossa rotina. Se aquilo que é rotineiro e constante pode oferecer controle e requer movimentos sem adição de esforço, o que se altera cobra um preço que ao medíocre custa pagar. Quantos não são os casos de pessoas que, por opção, reduzem suas vidas ao metro quadrado do alcance de suas mãos e desperdiçam a vida no conforto do previsível? Além disso, transformar significa alterar relações de poder, de lucratividade, de reconhecimento público, entre outros, o que nunca acontece sem a resistência de quem está se beneficiando com o antigo.

Diante de tais ameaças, a estratégia mais utilizada é a desqualificação da obra excêntrica, como, por exemplo, a tentativa de refutar ou ignorar descobertas científicas que abalam as bases predominantes da comunidade acadêmica. A história é recheada de casos ilustrativos. Porém, quando a obra é incontestável e não há outro remédio senão aceita-la, a mediocridade recorre a ataques aos incômodos indivíduos. São presos, roubados, deportados, torturados e até crucificados.

Mesmo assim, muitas vezes e como que para vingar a injustiça, o “destino” impede que o indivíduo grandioso seja simplesmente apagado das memórias e fixa seu nome nos autos dos acontecimentos humanos. Para o homem que se vê reduzido em suas capacidades e habilidades, conviver com alguém excepcional ou apenas vislumbrar sua imagem pode ser um martírio. A inevitável comparação pode atormentar e apequenar, deixa explícitos, em alguns casos, a insignificância e o vazio de existências medianas.

Na incapacidade de subir à alturas do grandioso, seja por conta dos insuficientes recursos, habilidades ou força de vontade, resta ao ser humano comum, indignado pela discrepância que lhe é estampa na cara, diminuir seu ofuscante brilho, puxa-lo para baixo. “Shakespeare fumou maconha quando escreveu suas obras”, “Freud cheirava cocaína durante a concepção de suas teorias”, “Einstein era desleixado e maluco”, “Alexandre foi mimado e manipulado pela mamãe”.

Desvia o olhar para referências também comuns, tornando-as celebridades, tais que se pareçam com todos e possibilitem a todos, ao menos por um ínfimo momento de tempo, a esperança de saírem do anonimato. Quanto mais ordinárias, melhor. É a época dos Reality Shows nos quais basta existir para ter a chance de se destacar. O mérito e o esforço ficam em segundo plano. Mas, vale lembrar que, quanto mais fácil é a ascensão, menos estável o voo e mais rápida tende a ser a queda.

Para chegarmos ao fim de nossas jornadas tranquilos de que não desperdiçamos nosso tempo, precisamos agir, fazer o melhor possível, assumir o que nos cabe. Somente aí não teremos vergonha diante do grandioso e não precisaremos distorcer as imagens dos ícones da humanidade para validar nossa identidade.