Blackkklansman – Infiltrado na Klan: A Crença na Inferioridade do Oprimido

Trecho do artigo escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.

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AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.

Infiltrado na Klan é um filme que parece elaborado a partir de um roteiro fictício, mas, curiosamente, refere-se a uma história verídica. Acompanha a trajetória de um indivíduo afrodescendente que inicia sua carreira como policial do Colorado em 1978 e decide se infiltrar na Ku Klux Klan, associação de pessoas que nutrem o ódio racial e se utilizam da violência para imporem uma suposta supremacia branca e evitarem o “contágio” social por causa da estúpida e infundada alegação de inferioridade dos descendentes africanos.

O protagonista, ao ser admitido na corporação policial, é designado para trabalhar no controle de arquivos, uma função administrativa. Mesmo ali, o indivíduo sofre todo tipo de provocações e ofensas de seus próprios colegas de trabalho. Logo solicita se tornar investigador e é aceito na nova atribuição. Infiltra-se num grupo de manifestantes que lutam pelos direitos dos negros para reportar sobre o grau de periculosidade de um de seus líderes. Certo dia, ao se deparar com um anúncio da KKK no jornal, decide ligar e se apresentar como interessado na associação. Reproduz, ele próprio, os discursos de ódio ao se passar por um indivíduo branco durante a conversa telefônica, o que despertou a simpatia do representante da KKK e resultou num convite para um encontro.

Passa, então, a trabalhar como policial infiltrado na KKK para se aprofundar nas investigações. Porém, devido ao fato de não ser branco, precisa do auxílio de outro policial, um indivíduo judeu – os judeus também eram considerados inimigos. Um seria a voz que colocaria em andamento a estratégia de investigação, o outro seria o corpo que se apresentaria nos encontros. Incrivelmente a investigação avança e é bem sucedida.

Um aspecto interessante no filme é o fato de que, em sua primeira missão como infiltrado no movimento que lutava pela igualdade dos afrodescendentes, é surpreendido pelo discurso do líder que devia vigiar. Mesmo sendo negro, não tinha clara noção da força da opressão e de suas dinâmicas. A dificuldade em perceber o peso das injustiças sofridas pelo oprimido, a covardia da condição de opressor e a inadequação das relações de opressão, sempre violentas e escravizadoras, pode se dar por vários motivos combinados.

Primeiro, os dominadores sempre se utilizam de ideologias distorcidas para promoverem seus atos imorais, legitimando-os como causas justas: cristãos que utilizam o nome do Senhor para matar em vez de se amarem uns aos outros, nativos que para não serem ameaçados pela imigração e pela concorrência dos estrangeiros lhes tomam direitos fundamentais, aristocratas que, para reduzir os custos de produção e aumentar a lucratividade de suas colheitas, aceitam mão-de-obra escrava, tudo isso justificado numa suposta superioridade que afasta empaticamente daquele tido como inferior e favorece o abuso – os cristãos são os escolhidos de Deus e têm que impedir a propagação do paganismo, os nativos são os detentores dos valores da pátria e têm que protege-la da desvirtuação moral trazida pelos imigrantes, os brancos são puros enquanto os afrodescendentes possuem limitações biológicas que resultam na desumanização –, desculpas para aumentar o poder que são inculcadas nas pessoas como nobres verdades. Desta forma, tais dinâmicas são disseminadas como direitos e tendem a se reproduzir.

Segundo, numa relação de dominação, se o oprimido é capaz de sonhar com a ascensão, a única referência de sucesso que lhe é conhecida é a do seu dominador. Assim, em vez de ter no modelo de vida do opressor algo contra o que lutar – não contra o opressor, mas contra a condição de opressão –, é frequente sonhar com tal modelo e, quando possível, imitá-lo, sem se dar conta de que isto perpetua as relações que antes o submetiam. Não são raros os casos, na história, de indivíduos negros que se tornaram capatazes de escravos afrodescendentes, por exemplo. Servem como exemplos, também, os casos de funcionários que reclamavam da severidade de seus chefes e agem de maneira severa quando são promovidos à chefia, pais violentos que sofreram bastante com a educação violenta que receberam de seus próprios pais, entre muitos outros. Assim, têm-se como superiores os objetivos e modos de vida do opressor, o que pode reforçar a crença na inferioridade da minoria, na incapacidade em conceber modelos e relações dignas de serem buscadas.

Por fim, frequentemente os dominados, com o passar do tempo, acabam acreditando em sua suposta inferioridade pela inferioridade de poder a que são submetidos na condição de oprimidos. Muitos indivíduos que se encontram numa minoria, em termos de poder, vislumbram as possibilidades da vida limitadas àquilo que seus pais puderam atingir, àquilo que a sociedade dominante lhes dita, enfim, àquelas dinâmicas que lhes são impostas diariamente. Para um indivíduo que nasceu escravo, como conceber de maneira realista a liberdade? Ainda hoje, é comum indivíduos negros não acreditarem na possibilidade, por exemplo, de cursar uma faculdade ou de exercer cargos de liderança por não se entenderem capazes ou por não tomarem como direito; ainda são menos presentes em cargos importantes nas empresas, na política, entre outros.

A injusta relação de dominação que se apresenta e que submete é, facilmente, vista como normal, como merecida e que não cabe aos oprimidos mudar. Mesmo quando algumas melhorias são verificadas em nome dos oprimidos, como a abolição da escravatura, no caso dos afrodescendentes, leva muito tempo para aqueles que foram lesados atingirem o status social daqueles que sempre os espoliaram, o que, também, tende a reforçar em muitos, inclusive nos prejudicados, a triste e indevida crença em sua inferioridade.