Artigo escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.
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AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.
O filme Nasce uma Estrela, de 2018, a quarta versão deste título, narra a história de um cantor famoso que, após um de seus shows, decide parar em um bar qualquer e se encanta com uma mulher que cantava no estabelecimento. Convida-a para sair e descobre que ela é também compositora. Quando ela lhe mostra uma de suas músicas, o cantor fica impressionado e insiste em vê-la novamente.
A jovem é levada para um show do cantor e é surpreendida quando o músico anuncia ao público que o próximo número é uma música de uma amiga dele e chama a jovem ao palco para cantar com ele a composição mostrada por ela no encontro anterior. A apresentação faz sucesso e a jovem começa a participar de várias apresentações do famoso, com quem se casa.
Ela recebe uma proposta de um produtor muito conhecido no meio artístico e vê sua carreira decolar. Logo se torna uma estrela pop. Momentos antes de uma apresentação dela, o cantor lhe oferece um conselho: diz que a fama e a popularidade vem e vão, que as pessoas que a ouvem podem subitamente deixar de escuta-la, portanto, ela devia sempre cantar aquilo que tivesse significado para ela, que representasse a sua voz, sua verdade interior.
É interessante essa mensagem por que muitas obras tidas como artísticas visam atender prioritariamente aspectos comerciais, tornando-se mais produtos para o mercado do que construções artísticas. É o que acaba por acontecer à nova estrela em uma de suas músicas, que a leva a vencer um prêmio Grammy.
A realidade e a vida em sociedade, esta por suas regras e ideais de conduta e de sucesso, limitam as possibilidades dos indivíduos, ou seja, restringem a completa expressão e realização da individualidade. A maioria das pessoas não é livre para escolher o que quer comer, com quem quer e se quer se casar, qual profissão exercer, entre outros. Os aspectos indesejáveis ou proibidos ao meio, e que acabam sendo assimilados como negativos pelo próprio indivíduo, tendem a ser reprimidos para saírem da vista. Porém, varrer para debaixo do tapete não os faz sumir.
Conforme os impulsos – anseios, vontades, instintos – são ignorados, o indivíduo se vê acumulando continuamente frustrações que abalam seu equilíbrio emocional. Com isso, outros comportamentos passam a ser impregnados das características do que foi reprimido, ou seja, ações não relacionadas com os conteúdos frustrados se tornam vias de escape e se veem deformadas. Uma forma de identificar isso é pela inadequação e desproporção das respostas do indivíduo a determinadas situações da vida, até mesmo as mais corriqueiras. Por exemplo, alguém que se encontra desiludido com sua vida profissional e entende que não exerce uma função interessante ou realizadora, pode se tornar um pai ou marido severo conforme, inconscientemente, transfere para sua família a culpa pelas suas impotência e insatisfação, das quais é o maior responsável.
Algumas pessoas se envolvem em atividades que extravasam parte do acúmulo, mas muitas dessas atividades se tornam vias nocivas de expressão que reforçam o aspecto negativo que se quer combater. Por exemplo, alguém que pratica uma luta apenas para despejar através dos golpes sua raiva de algo ou alguém não aprende a controla-la, mas reforça a violência como uma forma destrutiva de libera-la.
A arte, por outro lado, é uma via pela qual se pode entrar em contato com as próprias urgências contidas, não somente para escapá-las, mas para transformá-las em qualidade. Por exemplo, a agressividade que gera a raiva já não precisa ser expressa pela violência, mas pela construção de uma obra de arte que, por conter os indícios simbólicos dessa agressividade, permite a liberação de parte desta, não somente durante a materialização da obra mas toda vez em que o artista entra em contato com sua criação. Esse processo é denominado sublimação artística e é fundamental para o desenvolvimento emocional, principalmente das crianças que ainda não encontram na linguagem e nos conceitos toda a gama de possibilidades necessária à representação de si.
Isto não significa que o indivíduo, através da arte, resolve automaticamente seus desequilíbrios emocionais. Basta ver que, no filme, o artista famoso, apesar de encontrar na música a via para dizer aquilo que se encontra em sua “alma” – e que não conseguiria comunicar de outra forma ou, caso o fizesse, não seria adequadamente compreendido – sente-se impelido ao vício em bebidas alcóolicas, consequência de problemas familiares que são esclarecidos no filme.
A sublimação artística permite deixar à mostra o campo emocional e entrar em contato com ele mais frequentemente, o que já é muito. Em verdade, pode-se dizer que são essas as bases da elaboração emocional: somente se pode elaborar aquilo que se reconhece em si e é com a aproximação a esses conteúdos que se pode compreender suas características, seus gatilhos e movimentos.
Para o equilíbrio emocional, porém, é necessário um fortalecimento psíquico do indivíduo tal que desenvolva e reconheça em si a capacidade de lidar e superar aquilo que até então entendeu como necessário suprimir de sua personalidade. Aí as muletas como o álcool e as drogas poderão ser colocadas de lado e se poderá evitar desfechos trágicos como o suicídio do protagonista.