Jagten - A Caça - A Sacralização da Criança

O texto abaixo é um trecho do artigo contido no livro "ALÉM DA SINOPSE", escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.

Para ler o texto completo, além de outros artigos como este, adquira o livro "ALÉM DA SINOPSE - A Arte imita a Vida", disponível no site Clube de Autores




O texto abaixo contém spoiler.

O filme A Caça aborda a história de um professor que é acusado de ter abusado de sua aluna, a filha de seu melhor amigo. A menina, de apenas 5 anos de idade, encantada pelo professor afetuoso, beija-o na boca e é repreendida por ele.

Frustrada, conta para a diretora uma versão distorcida da história, fruto de uma combinação do fato com elementos de uma conversa “adulta” que ela ouviu, por acaso, entre seu pai e o professor. Imediatamente a notícia se espalha pela pequena comunidade e o abuso da menina é tomado como verdade absoluta. Curiosamente, a única evidência de que dispõem os pretensos juízes é o discurso da criança, que foi recolhido em entrevistas altamente sugestivas.

A crença inquestionável à denúncia da menina levanta a questão: por que existe uma tendência nos adultos em enxergar a criança como uma figura angelical, desprovida de maldade?

Para muitos, seria inconcebível a iniciativa da menina beijar o professor na boca. Desta maneira, tenderão a atribuir a culpa de tal ato, real ou imaginário, ao adulto. Porém, as formas de se relacionar com os outros são aprendidas pela criança nos próprios ambientes de que participa. A imitação é uma maneira de apreender as formas de fazer. Assim, o beijo na boca pode ser entendido como uma demonstração de afeto, uma vez que, certamente, já terá presenciado os pais ou outros adultos se beijando como forma de expressar carinho. Mesmo que, por conta da idade, sua sexualidade não esteja desenvolvida, poderá repetir o ato não para buscar um prazer sensual que ainda não reconhece, mas apenas para demonstrar estima.

Para tantos outros, seria impensável a mentira por parte dos pequenos, ainda mais sobre assuntos de tamanha gravidade. Aqui a questão se complica ainda mais. Todo ser humano é capaz de manipular ou se abster da verdade em benefício próprio. Adultos mentem, crianças também. Além disso, estas não compreendem da mesma forma que aqueles os pesos e a criticidade de assuntos delicados e complexos. Por sua pouca experiência de vida e sua capacidade intelectual ainda em desenvolvimento, não conseguem visualizar em toda abrangência as relações de causa e consequência envolvidas na questão.


O mais importante, porém, é o fato de que a mentira é um conceito difícil de ser compreendido por crianças pequenas. Isso acontece pelo fato de que existe uma etapa no desenvolvimento da criança, algo em torno de quatro a seis anos de idade, na qual ela ainda não diferencia claramente, como os adultos, um fato ocorrido de um imaginado. Ou seja, ela realmente acredita nas fantasias que elabora ou nas sugestões que recebe, principalmente as provenientes de adultos que respeita. Perguntar para a criança: “seu professor a beijou, não é mesmo?” pode ser o suficiente para criar uma verdade em sua mente, ainda mais se essa verdade agradar o interlocutor ou a livrar de uma situação embaraçosa. Apenas mais tarde conseguirá distinguir facilmente realidade e imaginação e poderá compreender que a mentira deve ser evitada pela quebra de confiança que ela gera.