O texto abaixo é um trecho do artigo escrito pelo Especialista em Sociologia e Educação Roberto Guimarães e por mim.
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AVISO: o texto abaixo contém SPOILERS.
Homem Irracional é um filme que pode ser classificado como comédia mas, como é comum aos roteiros redigidos por Woody Allen, têm no cômico a forma para destacar as inconsistências entre as condutas e os conceitos que o homem elabora e tem de si. Narra a história de um professor de filosofia bastante reconhecido e respeitado, contratado para lecionar em uma universidade.
Totalmente desmotivado e despossuído de objetivos de vida, sua penosa condição é apresentada de maneira engraçada nos constantes questionamentos que realiza em relação aos propósitos da existência e nas banalizações que faz da vida cotidiana. Como um morto vivo, caminha entre seus concidadãos e alunos perdido em complexos pensamentos que desconstroem quaisquer convicções que poderiam leva-lo a agir. Com a apatia e toda a carga das incertezas, vem-lhe também o abuso do álcool, a impotência sexual de causas psicológicas e o bloqueio na elaboração de um livro em andamento. Nem mesmo a proximidade com uma vizinha atraída por ele e uma aluna encantada com seu trabalho pôde alça-lo do fundo do poço em que se encontrava.
Certo dia, chama-lhe a atenção uma conversa entre estranhos. Ouve os lamentos de uma mãe em crise de choro pela atuação indevida, segundo ela, de um juiz que tem decidido de maneira favorável ao ex-marido quanto à guarda dos filhos. Mesmo após ter empenhado praticamente todas as suas economias em processos judiciais, a mãe se vê prestes a perder a causa como consequência da imparcialidade do juiz, amigo do pai das crianças.
O relato da suposta injustiça toca o professor de tal maneira que imediatamente toma a resolução de matar o magistrado para reparar a situação. A decisão, por mais absurda que pareça, cai-lhe bem e reverte seu estado sombrio. O fato de possuir um objetivo definido e aparentemente nobre torna, quase que automaticamente, sua vida justificável e lhe dá brilho. O desafio de cometer um crime perfeito o instiga e lhe dá potência. Sua criatividade flui, sua energia sexual também. Torna-se mais sociável e otimista, atento aos prazeres mais sutis da vida – aromas, paisagens, o toque do vento, entre outros.
O filme mostra o conflito entre o pensar e o agir. Talvez tenha sido tirado desse embate o título de Homem Irracional, referindo-se àqueles que, para agirem de maneira determinada, precisam abrir mão da reflexão. Muitos autores abordam o tema, colocando como opositores pensamento e ação, com a alegação – extremamente resumida por nós aqui – de que um impede o outro de acontecer, ou seja, enquanto se age de maneira resoluta não se está aberto às considerações necessárias para alterar objetivos ou modificar o curso da ação conforme as circunstâncias e, de maneira inversa, enquanto se pensa a atenção está tomada por processos mentais que dificultam a coordenação da ação e tendem a paralisar em casos extremos.
O curioso é que o alvo desse embate é justamente um professor de Filosofia. A Filosofia nasce da pergunta e a pergunta pode ser assumida como um reflexo da necessidade de conhecer algo para ampliar as possibilidades do indivíduo no enfrentamento da realidade. Isso quer dizer que, em boa parte dos casos, a pergunta está voltada à busca de uma solução para uma ação que o indivíduo se inclina a concluir. Quando alguém se depara com um objeto que não conhece, surge a pergunta: como posso fazer isso funcionar? O conhecimento adequado pode trazer, então, segurança para o indivíduo agir sobre o objeto da maneira pretendida.